Boaventura analisa a crise mundial nas universidades

Na última segunda-feira (2/2), a UnB recebeu um visitante ilustre – o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, 68 anos. Segundo ele, sua visita teve o intuito de saudar um velho companheiro de batalhas por um Direito mais democrático. Esse companheiro é o professor José Geraldo de Sousa Junior, colaborador do Sindjus e atual reitor da UnB. E o intelectual brindou a todos com uma análise sobre o impacto da crise mundial nas universidades, desmistificando a idéia de que a boa academia é aquela que produz uma ciência neutra, pura e distante da realidade.

“A universidade vai para onde o mundo vai e é por isso que uma boa universidade deve ajudar a mudar o mundo”, ensinou o catedrático do Centro de Estudos Sociais de Coimbra que também dá aulas em University of Madison, nos Estados Unidos, e Warwick University, na Inglaterra.

Você deve estar acostumado com as colaborações de Boaventura no caderno “Constituição & Democracia”, organizado pela Faculdade de Direito da UnB com o apóio do Sindjus. Boaventura está preocupado com o futuro do conhecimento. Como esse tema interessa a todos, acompanhe os principais pontos da conversa:

O Futuro da Universidade

A Universidade vai para onde vai o mundo. A crise financeira mundial já cortou 20% do orçamento das universidades européias. Universidades públicas americanas como Wisconsin estão sofrendo cortes de até 50%. E é lógico que esses cortes serão prioritariamente nas Humanidades. As Humanidades não produzem patentes. As Humanidades produzem pensamento.

Movimento Estudantil

Os estudantes estavam desaparecidos desde anos 70. Agora, eles voltaram às ruas. São eles que estão salvando a universidade. São eles os principais defensores da universidade livre. O retorno do movimento estudantil começou na Itália contra o projeto de Berlusconi de privatização do ensino.

Reitores

Conheço muitos reitores brasileiros. Os reitores podem fazer muito. Se a lei é igual para todos e uns fazem e os outros não, a culpa é do reitor e de sua equipe. Muitas vezes nossos maiores inimigos não estão do outro lado. Muitas vezes nossos maiores inimigos somos nós mesmos.

Brigas internas

Na universidade e na vida, não há que catequizar os catequizados. É inútil. É mais importante convencer os que ainda não estão do seu lado.

Lutas e Vitórias

Lutar é muito bom. Mas de vez em quando precisamos ter uma vitória. A eleição do professor José Geraldo é uma vitória.

Crise ética da UnB

Sei que recentemente a universidade enfrentou problemas graves. Agora, vocês precisam recolocar a universidade na liderança nacional.

Fórum Social X Fórum Econômico

O último diagnóstico de Davos deu razão ao diagnóstico que o Fórum Social vem fazendo há anos. Ou Fórum Social estava adiantado demais. Ou Davos está atrasado demais. A diferença entre nós é Davos é na terapêutica.

O Estado

Curiosamente, o Estado que os neoliberais consideravam um problema, agora virou solução. Mesmo o Brasil não havia compreendido isso. O BNDES, por exemplo, apesar de ser um banco público não se preocupa com os temas públicos nem sofre um controle social. O BNDES financia o grande capital, as grandes empresas e sua visão estratégia não contempla a sustentabilidade ambiental.

Crise Econômica e Universidade

Precisamos estar preparados para conjunturas adversas. Por exemplo, um presidente da república que não seja amigo da universidade. Um presidente que não seja amigo da universidade e que chega à presidência em tempos de crise pode ser desastroso para a universidade. Isso já está acontecendo na Europa. Lá muitas universidades já não se relacionam com o mercado: elas se transformaram no mercado.

Universidade de Mercado

O problema dessa universidade de mercado é que para sobreviver na lógica do mercado ela precisa privilegiar os setores que rendem mais em detrimento de outros. Isso significa que serão esquecidos as artes, a poesia, a literatura, as humanidades.

Ranking das Universidades

As universidades européias estão divididas hoje numa espécie de ranking. Em primeiro lugar, estão as grandes instituições com grandes centros de pesquisa. Em segundo, as universidades consideradas médias que produzem um pouco de pesquisa. Por último, estão os centros politécnicos, aqueles que só oferecem aulas e não fazem pesquisa.

Gestão das Universidades

A gestão das universidades européias mudou profundamente. Algumas delas fazem concursos internacionais para escolher um reitor. Em Portugal, país que só sabe optar entre o oito e oitenta, passamos de eleições diretas e proporcionais para um sistema de eleição indireta. O reitor é escolhido por um conselho formado por 34 pessoas, sendo dez de fora da universidade e apenas dois estudantes. Esse grande conselho geral sempre é presidido por alguém de fora da universidade. No nosso caso, em Coimbra, o escolhido é o presidente de um Banco. É um homem culto, respeitado, mas é o presidente de um Banco. Essa fórmula foi definida numa lei nacional, aprovada em agosto, quando os estudantes estavam distraídos, de férias.

Os estudantes brasileiros

No CES (Centro de Estudos Sociais criado por Boaventura, com sede em Coimbra) 75% dos alunos são brasileiros. O único problema que temos com eles é que muitos não falam inglês. Aliás, os brasileiros são os estudantes que menos falam inglês na Europa. Isso é complicado. Hoje apresentamos todos os nossos projetos em inglês. Há uma certa vantagem porque eliminamos o compadrio, mas por outro lado perdemos a identidade nacional.

Doutorados interdisciplinares

Nos últimos anos avançamos bastante na pós-graduação. Estamos investindo nos doutoramentos interdisciplinares. Os doutorados são pagos, são caros e são financiados pelas agências de fomento, como a CAPES, no Brasil.

Excelência

Temos estudantes brasileiros que pertencem aos movimentos sociais do Brasil, como o MST. Eles vão para o CES em busca de excelência, mas não perdem seu comprometimento social. Quando terminam o curso, estão bem formados e com mais capacidade de interferir na realidade. Queremos estudantes que tenham interesse político e vontade de interferir na política. A gente não perde a excelência por causa disso. Nosso centro tem a mais alta nota de qualificação.

Universidade privada

Não há público para tantas faculdades particulares. Elas estão fechando. Só vão sobreviver as que fizerem pesquisa. Há uma tendência internacional de criação de franquias entre as grandes universidades e as pequenas. É um pacote fechado, que determina os cursos, os currículos e os professores. Essas franquias preferem as universidades que produzem patentes e que geram renda através delas. Para as Humanidades isso é mortal. Por isso, elas precisam do Estado, do investimento público. As Humanidades não geram patentes. Geram pensamentos.

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