Magistrados atacam atuação do CNJ

Um conselho mais real que a realeza

Criado em 2004 pela Emenda Constitucional 45, sob festejada expectativa de que suas ações colocariam fim a abusos e privilégios dos tribunais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) experimenta um ciclo de censuras e desconfianças de juristas, procuradores e até advogados. A desaprovação também vem de setores da magistratura. Apontam-se excessos do colegiado, que tem a missão precípua de exercer o controle administrativo do Judiciário.

Resoluções do CNJ, como a que obriga os juízes a informarem sobre grampos telefônicos por eles autorizados e também acerca das prisões que ordenaram, são medidas que estariam asfixiando o cotidiano de juízes.

Eles se dizem oprimidos. Veem traços autoritários e suspeitam que regras recentes são a raiz de uma intervenção na toga. Alegam que não dispõem de aparato material, mão-de-obra, nem tempo hábil para produzir relatórios e inventários que lhes são exigidos.

“O CNJ não pode chegar para o juiz e determinar: ’me apresente aí a relação dos telefones que você mandou grampear’”, rechaça Walter do Amaral, desembargador da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF 3), com jurisdição em São Paulo e Mato Grosso do Sul.

– ” Perfumaria”

Para Amaral, o CNJ “não se preocupa com o que deveria efetivamente se preocupar, ou seja, com o aparelhamento da Justiça”. “O Conselho tem que fiscalizar os tribunais porque se cometem no Judiciário todo tipo de irregularidade administrativa Agora, dizer para o juiz o que ele pode e o que não pode fazer está errado. São os códigos que têm que dizer”.

O desembargador mantém 15 funcionários em seu gabinete e 15 mil processos para julgar. “Nunca recebi do Conselho nenhum auxílio para melhorar o serviço. Por que não manda pagar hora extra para os funcionários? Julgo 800 ações por mês e não consigo dar conta”.

Amaral é categórico: “O CNJ extrapola suas funções. Regulamentou a Lei Orgânica da Magistratura, o que não lhe cabe, ao criar o Código de Ética. Erra por ação quando extrapola seus objetivos e por omissão quando deveria fazer e não faz. Resoluções sufocam os juízes, estão se intrometendo na atividade jurisdicional do juiz”.

“O CNJ concentra suas baterias contra os juízes de primeiro grau e ignora as demais instâncias”, declara a procuradora regional da República Janice Ascari. “Tem extrapolado os limites constitucionais ao gestar excessivos mecanismos que, sob o argumento da racionalização do trabalho, na verdade interferem na livre convicção e na independência funcional dos juízes, como se quisesse lhes colocar cabrestos. É nítida interferência na atividade funcional dos magistrados”.

Janice acusa: “Há uma tendência de desprestígio à atuação dos juízes de primeiro grau, aliada a uma crescente concentração de poder no Supremo Tribunal Federal, que tem alimentado abertamente a prática de estimular as partes a dirigir-se diretamente à Corte para decidir suas questões em instância única, como se fosse um tribunal de pequenas causas, ignorando solenemente os demais graus de jurisdição.”

Gilmar não admite exageros

O ministro Gilmar Mendes não admite, e não reconhece em hipótese alguma, “nenhum problema de inconstitucionalidade” nos atos do Conselho Nacional de Justiça, que preside.

“A Constituição autoriza expressamente o CNJ a fazer essa regulamentação, essa disciplina. Isso já foi objeto de discussão no Supremo Tribunal Federal quando se tratou do nepotismo. No caso das regras de interceptação e prisões, o CNJ se limitou a fazer aquilo que lhe cabe: supervisão administrativa. O CNJ não quer se imiscuir na questão substancial da ordem judicial, quer apenas ser informado com finalidade estatística e de controle. Até porque o País precisa saber se de fato há excesso de grampos”.

Mendes, também presidente do Supremo Tribunal Federal, ressalta que o CNJ “é colegiado de planejamento estratégico e de política judiciária”. Destaca que o conteúdo de resoluções reitera o que já está na legislação. “Sobre as prisões provisórias, o CNJ quer saber basicamente qual é o número de casos de prisões transformadas em definitivas para comparar e verificar se há anomalias. Não há invasão à independência dos juízes”.

Ele observa que decisões do Conselho são tomadas após ampla consulta às entidades de classe. “O CNJ adota cuidado extremo para que não ocorra invasão da atividade tipicamente judicial. Tem função de supervisão de toda a atividade administrativa do Judiciário. Não há excesso algum”. Ele esclareceu que a resolução dos grampos veio diante de “grave denúncia” de concentração de autorizações.

Mozart Valadares, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), endossou: “As resoluções são acompanhadas pelo nosso departamento jurídico. A AMB jamais irá admitir que arranhem a independência do juiz. Não houve nenhum abuso do CNJ, nenhuma inconstitucionalidade”.

– Competências

A competência do CNJ é de controle administrativo”, assinala o advogado Pedro Estevam Serrano, professor de Direito constitucional da PUC-SP. “O Judiciário exerce função típica que é o julgamento de processos e promove atos administrativos que são uma função atípica, que não é própria dele. O exercício da função administrativa é que pode ser controlado. O CNJ não pode ingressar no âmbito das decisões judiciais”.

– Conversa com as bases

Já o jurista Luiz Flávio Gomes considera que, “do ponto de vista do mérito, o que o Conselho está fazendo é perfeito, porque tem que controlar a magistratura, mas do ponto de vista formal o CNJ avançou demais”. Para ele, “tinha que ter autorização em lei para que o Conselho pudesse emitir as normas”. “A magistratura precisa ser controlada, mas a Emenda 45, vaga, não delimitou com clareza o que pode e o que não pode”, diz. “O CNJ está avançando no vácuo que é um clarão legislativo muito amplo”.

Luíza Cristina Frincheisen, procuradora regional da República, anota que “o CNJ tem formação plural e isso já é bom”.Masela recomenda que seus integrantes conversem com as bases e com os operadores do sistema de Justiça. “Algumas resoluções são interessantes, algumas podem ter um pouco de excesso. Muito pior são as súmulas vinculantes do STF”.

Nem tudo é crítica. “O CNJ não extrapolou de suas funções”, avalia o juiz Ali Mazloum, da 7ª Vara Criminal Federal. “São medidas importantes, na órbita de sua atuação constitucional: controle e administração do Judiciário. É preciso abandonar velhos paradigmas de achar que tudo que o juiz faz é ato jurisdicional e, portanto, intangível, intocável. Suas decisões, invioláveis no mérito, podem estar sujeitas ao controle no seu aspecto formal, especialmente quando envolvem consideráveis custos sociais e financeiros. Como ocorre quando é ordenado grampo ou a guarda de bens apreendidos”.

Fonte: Jornal de Brasília

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