Correio Braziliense: Mutirão para reduzir processos – Tribunais farão esforço conjunto para julgar pelo menos 50 milhões de ações até dezembro

Os tribunais de todo o país deverão identificar e julgar ainda este ano cerca de 50 milhões de processos que foram ajuizados até dezembro de 2005, zerando parte das ações em tramitação no Judiciário brasileiro. A medida faz parte de um conjunto de metas aprovado ontem no 2º Encontro Nacional do Judiciário, realizado em Belo Horizonte, que reuniu a cúpula da magistratura brasileira para tentar agilizar a Justiça e diminuir as diferenças estruturais entre os estados brasileiros. A partir de hoje, cada órgão terá a missão de levantar qual é o volume de processos desse período, montar uma estratégia que permita cumprir o prazo definido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ainda manter a tramitação dos processos mais recentes, ou seja, ajuizados a partir de janeiro de 2006.

Existem atualmente em tramitação no Brasil cerca de 67 milhões de ações judiciais, algumas delas há mais de uma década à espera de uma decisão. “Temos um estoque (de processos) que precisa ser combatido. A ideia é fazermos mutirões, críticas dos nossos processos, rearranjos institucionais e reengenharia nos tribunais. Vamos trabalhar este ano para que realmente possamos combater a morosidade e termos um Judiciário com nova face”, afirmou ontem o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, Gilmar Mendes. Outra frente de trabalho é incentivar cada vez mais a realização de mediações e conciliações, meios alternativos de resolução de conflitos fora do Judiciário.

As metas incluem ainda um planejamento estratégico com os objetivos de cada tribunal para um período de cinco anos. Entre elas estão a informatização e interligação dos tribunais, a automatização da distribuição dos processos,criação de um sistema de gestão eletrônica da execução penal e mecanismos para acompanhamento das prisões provisórias, implantação de um núcleo de controle interno e do processo eletrônico. Os custos da implantação desses sistemas ainda não foram calculados, mas, de acordo com o ministro Gilmar Mendes, a princípio viriam da realocação de recursos dentro do próprio Judiciário, evitando pedidos de suplementação orçamentária. “Tudo isso está sendo buscado para dar prestação jurisdicional efetiva em tempo adequado para a sociedade”, argumentou.

Sintoma

Justiça tardia é injustiça manifesta. O bordão consensual no encontro se respalda numa das mais graves mazelas do Poder Judiciário: elevada taxa de congestionamento, termo que expressa os processos não resolvidos. O sintoma do problema, pesquisado pelo CNJ, aponta, em 2007, para uma média de 80,5% de processos não concluídos na primeira instância das justiças estaduais de todo o país e, em média, 45,4% das ações não julgadas nos tribunais de Justiça. A eficiência da Justiça Federal não é maior: a taxa de congestionamento média na primeira instância em todo o país foi de 78% e, nos tribunais federais, de 60,5%. Com um desempenho um pouco melhor do que a média nacional, Minas Gerais apresentou taxa de 71,3% de processos não resolvidos na primeira instância e de 48,5% no Tribunal de Justiça. Maranhão e Alagoas foram os estados com maior ineficiência: cerca de 92% dos processos de primeira instância não foram resolvidos.

Mantidas as condições atuais, as projeções do CNJ são de que, até 2010, esses percentuais de congestionamento se mantenham estáveis, com pequenas oscilações (leia mais abaixo). “As causas são múltiplas”, avaliou Gilmar Mendes. Ao procurar pela Justiça de primeira instância, o cidadão inicia, segundo o presidente do STF, uma aventura que por vezes por lá se encerra. “Por isso temos de trabalhar essas taxas de congestionamento no primeiro grau”, disse, pregando a informatização, a modernização das secretarias.

Opinião semelhante manifestou o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), César Asfor Rocha, disse que a importância da gestão administrativa eficiente dos recursos. “Em regra, o magistrado tem a sua formação dirigida exclusivamente para julgar”, afirmou, considerando que, com a criação do CNJ, a preocupação foi despertada na magistratura.

O gargalo da primeira instância
Mirella D’Elia
Da equipe do Correio

Uma pesquisa inédita feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revela uma situação sentida na pele há muito tempo pela população: a morosidade do Judiciário, sobretudo na primeira instância, a porta de entrada da Justiça. E vai além. Mostra que, se nenhuma providência for tomada agora, o ritmo vai ser mantido até 2010, fazendo com que milhares de processos continuem pegando poeira nos tribunais à espera de uma decisão.

O levantamento, ao qual o Correio teve acesso, foi feito pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do Conselho. E serviu de base para que o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, fizesse um alerta aos comandantes de tribunais de todo o país sobre a gravidade do problema — considerado o maior gargalo da Justiça brasileira — durante o 2° Encontro Nacional do Judiciário. “O principal problema do Judiciário é a questão da morosidade nos tribunais”, disse o secretário-geral do CNJ, Alvaro Ciarlini, que também participou do evento.

Nos últimos quatro anos, de cada 100 processos que chegaram às varas judiciais do país, apenas 20 foram julgados no mesmo ano e 80 deixaram de ser apreciados. A situação pode ser verificada tanto na Justiça Estadual quanto na Justiça Federal. Uma projeção feita pelo conselho mostra que a chamada taxa de congestionamento (percentual de processos que ficam empacados durante um ano) manteve-se na faixa de 80% entre 2004 e 2008. E vai permanecer a mesma até 2010 se medidas saneadoras não saírem do papel.

Estoque

A situação é mais grave na Justiça Estadual. De acordo com a pesquisa, a quantidade de processos pendentes de julgamento na primeira instância é, em média, 30 vezes maior que na segunda instância, enquanto o número de sentenças é apenas oito vezes maior. “Desta forma, não há como ter um resultado positivo na taxa de congestionamento se o estoque (de processos) continua a crescer”, destaca o texto do DPJ. “Em relação às projeções, apenas o primeiro grau tem a tendência de manter sua taxa em 80%, enquanto que nos demais (graus da Justiça Estadual) é visível o decréscimo da taxa de congestionamento ao longo dos anos”, completa o órgão.

O levantamento mostra, ainda, que, no ano passado, 53,3% dos processos que tramitavam na primeira instância no Distrito Federal permaneceram sem solução. Percentual um pouco menor do que o verificado em 2007: 55,2%. Nos dois casos, o DF ocupou uma das melhores posições no ranking nacional, atrás apenas de Rondônia e Sergipe. Mas, no segundo grau, o DF ficou em décimo lugar entre os tribunais mais congestionados de 2008: 43,30% de processos parados. No mesmo período, o TJ do Ceará foi o que apresentou a maior taxa de congestionamento: 89,03%.

Despesa

Uma outra pesquisa feita pelo CNJ revela que a Justiça Estadual do DF é a mais cara do país. Segundo o órgão, a despesa por habitante foi de R$ 416,06 em 2007. O montante é quase quatro vezes maior que a média nacional: R$ 90,50. A Justiça Estadual do Maranhão foi a que apresentou menor despesa por habitante em 2007: R$ 44,58. O Pará aparece logo em seguida, com R$ 44,58 de despesa por habitante. Em São Paulo, o valor foi de R$ 105,12 e, no Rio de Janeiro, de R$ 110,46.

A assessoria do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) informou que não comentaria qualquer dado referente ao levantamento. Já Alvaro Ciarlini lembrou que, por estar vinculado à União e não aos estados, o tribunal consegue captar mais recursos. E acrescentou que, em 2007, o TJDFT investiu na construção de prédios, na instalação de varas judiciais e na expansão de juizados especiais, além de outras iniciativas. “O TJDFT está no mesmo patamar dos demais tribunais da União, que estão num nível orçamentário maior”, afirmou.

“O principal problema do Judiciário é a questão da morosidade nos tribunais”
Alvaro Ciarlini, secretário-geral do Conselho Nacional de Justiça

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