Correio Braziliense: Violência sexual: a duríssima saga do aborto legal

Embora consagrado na lei brasileira, o direito das mulheres de interromper a gravidez em casos de estupro ou risco de morte é cotidianamente desrespeitado. Faltam unidades de atendimento e sobram resistências

A saga da menina de 9 anos que, estuprada pelo padrasto e grávida de gêmeos, teve de sair do interior de Pernambuco rumo à capital para conseguir exercer um direito que a lei brasileira garante à mulher — o de abortar em casos de violência sexual — repete-se todos os dias. O número reduzido de hospitais que fazem o procedimento, a resistência das equipes médicas e as dificuldades burocráticas impostas pelos estabelecimentos são os grandes obstáculos das vítimas de estupro que engravidam no país. Uma pesquisa qualitativa feita pela organização não-governamental Ipas Brasil, em parceria com o Ministério da Saúde, avaliou as dificuldades e percepções de 20 mulheres que interromperam a gestação.

“Verificamos muitas barreiras. Além do medo, essas mulheres não sabem onde procurar ajuda. A história da menina de Pernambuco não é uma exceção, é a regra”, destaca Leila Adesse, diretora da Ipas. O estudo Mulheres que passaram pelo aborto previsto em lei: perspectivas e experiências mostrou que nenhuma delas se arrependeu da escolha feita. A maioria não procurou ajuda logo depois da violência, só depois que a gravidez foi constatada. Nas delegacias e nos serviços de saúde conheceram as opções da lei, o abortamento ou a doação.

O estudo destaca que a taxa de estupros no Brasil é de 8,78 por 100 mil habitantes — assustadora, mas ainda longe da realidade, devido à subnotificação. No DF, terceiro no ranking por unidade da Federação, esse índice chega a 15,56. Leila destaca, porém, que os dados, oriundos de um levantamento realizado pelo Ministério da Justiça em 2000, precisam ser relativizados devido aos problemas de cada estado no registro.

Estrutura

Na área da saúde, a enfermeira Paula Viana, uma das excomungadas pelo arcebispo de Recife, dom José Cardoso Sobrinho, depois do aborto que a menina de 9 anos realizou há seis dias, diz que o Brasil ainda está engatinhando no atendimento à mulher grávida vítima de estupro. Ela ressalta a importância dos centros de referência em saúde da mulher, mas lamenta que praticamente só as capitais tenham esses serviços.

Para as mulheres de Roraima, Piauí e Mato Grosso, é ainda pior. Não há centros especializados nesses estados. Lena Peres, coordenadora da área técnica da mulher no Ministério da Saúde, destaca a necessidade de implantar os serviços. “Vamos treinar equipes ainda este ano e colocar profissionais que não tenham objeção de consciência”, diz Lena. Ela ressalta a postura inadequada de alguns hospitais de exigirem autorização judicial ou boletim de ocorrência para fazer o aborto depois do estupro. “A norma técnica do Ministério é clara: vale a palavra da mulher. Não precisa apresentar documento algum”, diz.

Médico é ovacionado

O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, interrompeu ontem a abertura do Seminário Nacional de Saúde da Mulher para cumprimentar um dos médicos responsáveis pela interrupção da gravidez da menina de 9 anos estuprada pelo padrasto. O professor da Universidade Federal de Pernambuco Olímpio Moraes foi aplaudido de pé pela plateia. Temporão disse ontem que a equipe médica foi “brilhante”.

Fonte: Correio Braziliense

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