Correio Braziliense: Camara: Divisão sobre fim do privilégio


Proposta de emenda em tramitação, que prevê a extinção do foro especial para autoridades, gera polêmica entre integrantes do Judiciário

A discussão sobre a possibilidade de autoridades terem o mesmo tratamento dado pela Justiça a qualquer cidadão brasileiro voltou à tona. Mas ainda divide opiniões. A polêmica ressurgiu por causa de uma proposta de emenda à Constituição, em tramitação no Congresso Nacional, que prevê o fim do foro privilegiado. De autoria do deputado Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), a PEC 130/2007 está pronta para ser votada no plenário da Câmara dos Deputados. Atualmente, o texto constitucional diz que deputados e senadores, o presidente da República, ministros de Estado e o procurador-geral da República, entre outros, podem ser processados e julgados no Supremo Tribunal Federal (STF). E que cabe ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) traçar o futuro de governadores, desembargadores e de integrantes dos Tribunais de Contas dos estados, por exemplo.



Presidente da OAB defende uma proposta intermediária

O parlamentar quer acabar com essa diferença. Defende que processos criminais contra qualquer autoridade sejam analisados por juízes de primeira instância — a porta de entrada do Judiciário. Itagiba argumenta que a Constituição prevê igualdade para todos, independentemente do status ou cargo ocupado. “A prerrogativa de foro já se descaracterizou em sua essência mesma, estando hoje degradada à condição de inaceitável privilégio de caráter pessoal”, cita o deputado, na justificativa da PEC. “A Constituição Federal diz que todos são iguais. Ou todos são iguais ou não são. Por que tem que existir um tribunal de exceção?”, indaga.

De acordo com a proposta, cabe aos tribunais superiores decidir se mandam abrir ações penais contra as autoridades. Depois disso, compete aos magistrados de primeiro grau tocar os processos até o fim. Uma das principais queixas sobre o julgamento em tribunais superiores é a impunidade. Mais alta Corte de Justiça do país, o STF nunca condenou nenhuma autoridade. “O foro privilegiado virou sinônimo de privilégio e impunidade”, disse o presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares. Para o deputado, o problema seria o despreparo para julgar processos como o gigante mensalão a tempo de evitar que os crimes prescrevam e que ninguém seja punido. “Acho que o STF não tem que cumprir esse papel”, diz Itagiba.

Tumulto

Por outro lado, a Justiça de primeira instância é apontada como a mais lenta do país de acordo com levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Há quem diga que, com a medida, os processos contra autoridades poderiam acabar na vala comum e não seriam julgados em tempo hábil. Ou ainda que o excesso de recursos acabaria impedindo que os julgamentos chegassem ao fim.

Presidente do STF, o ministro Gilmar Mendes é contra o fim do direito concedido a autoridades e afirma que a proposta de Itagiba “não faz sentido”. Para ele, é preciso tomar medidas para agilizar o andamento de processos —o que, garante, já está sendo feito. “Talvez nós tenhamos mais tumulto processual”, afirma. O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, também não quer acabar com o foro. Mas defende uma proposta intermediária. Na opinião dele, seria preciso, assim como na PEC em discussão no Congresso, entregar a instrução processual a juízes de instâncias inferiores. A decisão final caberia aos tribunais superiores. “Retirar o foro achando que a influência (de autoridades) vai ser menor na primeira instância é um raciocínio equivocado. A pressão existe em qualquer lugar. Esse não é um argumento convincente”, declara.

Integra do projeto
MEMÓRIA


Sem condenações


O número de ações penais que pesam contra autoridades com foro privilegiado no STF – como deputados, senadores e ministros de Estado – aumentou oito vezes em sete anos. O número de processos saltou de 13 em 2002 para 103 até fevereiro de 2009. Na comparação com 2007, o volume dobrou: foram 50 ações naquele ano. Há, ainda, 275 inquéritos contra políticos. Entre as acusações, há casos de desvio de dinheiro público, crimes de responsabilidade e fraudes em licitações.


Apesar do aumento, até hoje ninguém foi condenado pelo Supremo. O processo mais famoso é o que investiga o esquema do mensalão. A ação penal 470 foi aberta em agosto de 2007, mas ainda não há previsão para o julgamento dos 39 denunciados. O relator, Joaquim Barbosa, corre contra o tempo para evitar que os crimes prescrevam. Ele determinou que juízes federais ouçam réus e testemunhas de acusação e defesa.


Ponto Crítico

O senhor é a favor do foro privilegiado para autoridades?

Sim

Mais tumulto processual



Gilmar Mendes, presidente do STF

Sou a favor da prerrogativa de foro para as autoridades. É claro que temos que tomar medidas para agilizar a tramitação dos processos, aqui (no STF) ou em qualquer lugar. E estamos fazendo isso, estamos tentando acelerar essas questões e dar às ações a devida dinâmica. Também estamos tomando providências para combater o problema da prescrição. O que não parece fazer sentido para mim é a medida que foi proposta (pelo deputado Marcelo Itagiba), que os processos desçam para a primeira instância. Haveria um excesso de recursos e incidentes específicos, principalmente em processos com muitos réus, como habeas corpus. Talvez nós tenhamos mais tumulto processual.

Não

Sinônimo de privilégio e impunidade



Mozart Valadares, presidente da AMB

O foro privilegiado virou sinônimo de privilégio e impunidade. Os tribunais superiores estão abarrotados e não têm tradição de instrução processual. Além disso, a Constituição Federal fala em juiz natural. O cidadão comum não escolhe quem vai julgá-lo. As autoridades deveriam se submeter às mesmas regras. No caso da proposta que está no Congresso, sugerimos uma alternativa, caso ela não tenha respaldo dos parlamentares: que os tribunais superiores possam delegar a desembargadores e juízes a instrução criminal, que colheriam provas e depois os devolveriam para que os tribunais pudessem julgar os casos. Seria um aperfeiçoamento.

Fonte: Correio Braziliense

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