Jornal de Brasília: Nova lei gera polêmica

Processo burocrático ficou mais extenso. Famílias devem ser capacitadas

Já está em vigor em todo o Brasil a nova Lei Nacional de Adoção. Com as mudanças trazidas pela atual legislação, alguns passos de quem deseja trilhar os caminhos da adoção ficarão um pouco mais difíceis. Foram acrescentados mais alguns degraus na escada burocrática do processo. Mas, por outro lado, a Lei, válida desde ontem, traz pontos positivos, como a obrigatoriedade da capacitação e estágio de convívio para as famílias acolhedoras.

Entre as principais mudanças está o estabelecimento de um prazo máximo de dois anos para a permanência da criança dentro do abrigo. “Mas dois anos ainda representam muito tempo. Na vida de uma criança isso é uma eternidade”, critica o chefe do Serviço de Adoção da 1ª Vara da Infância e Juventude do Distrito Federal, Walter Gomes de Sousa. Ele acredita que todo este tempo tenha sido determinado porque a legislação ainda prioriza os laços de consanguinidade e insiste em esgotar as chances de reintegrar a criança aos parentes de origem antes de cadastrá-la para a adoção.

VÍNCULOS AFETIVOS

Para Walter Gomes, o trabalho de saneamento da família – que na maioria das vezes gerou a situação de risco para a criança, levando-a a um abrigo – não garante a criação de vínculos afetivos. “A nova lei tem sido interpretada como um libelo em prol da vivência com a família biológica. Quando sabemos que necessitam, na verdade, é de um lar de afeto”. Segundo ele, a sacralização dos laços consanguíneos representa um preconceito com a instituição da adoção. Walter Gomes salienta que a legislação traz um novo conceito, o de família extensa ou ampliada. Ou seja, ela se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos. A família passa, portanto, a ter preferência na adoção, devendo, se for o caso, ser incluída em programa de orientação e auxílio. Tudo para preservar o convívio da criança dentro da sua família original. “Isso não traz soluções para milhares de crianças institucionalizadas. Durante este período em que a Justiça busca um parente que possa ficar com a criança, elas ficam no limbo, pois são privadas de ter uma família substituta, mas também não retornam para os laços de origem”, observa o chefe do serviço de adoção. “E nos casos em que se tenta incentivar a adoção por um membro parental distante, este acaba sentindo-se forçado a aceitar a criança, quando o que não faltam são famílias ávidas por um filho”, complementa.

HABILITAÇÃO

Outra alteração que é alvo de crítica é que a pessoa ou casal que deseja entrar na fila da adoção, terá que passar por um processo mais burocrático até conseguir a habilitação. Antes, o candidato podia realizar a pré-inscrição por meio do site da 1ª Vara da Infância e Juventude e, posteriormente, se apresentar ao local com a documentação exigida, passar pelas entrevistas com psicólogos e assistentes sociais. Agora, antes de chegar até a Vara, o candidato deverá peticionar o pedido, por meio de advogado particular ou defensoria pública, com
uma série de documentos, entre eles: comprovante de renda e de domicílio; atestado de sanidade física e mental; certidão de antecedentes criminais; e negativa de distribuição cível.

O juiz terá 48 horas para emitir a documentação ao Ministério Público que, por sua vez, pode requerer a designação de audiência para ouvir os postulantes e testemunhas. Depois, o processo volta a cair nas mãos do juiz responsável para somente então chegar até a Vara da Infância e Juventude. “Se antes a família podia ser habilitada para a adoção em cerca de dois meses, agora levará no mínimo oito meses”, reclama Walter.

Além disso, a inscrição dos candidatos fica condicionada a um período de preparação psicossocial e jurídica mediante a frequência obrigatória a programa de preparação psicológica, orientação e estímulo à adoção interracial de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.

Regras para os já cadastrados

Durante o processo de transição da Lei é imposta a todos os cadastrados, no prazo máximo de um ano, a obrigatoriedade da preparação psicossocial e jurídica, sob pena de cassação da inscrição. Nenhuma adoção poderá ser autorizada enquanto as pessoas já habilitadas não se submeterem ao procedimento preparatório. Caso o programa não seja disponibilizado pela Justiça no prazo legal, todas as inscrições estarão automaticamente canceladas.

E o que a nova Lei traz de bom? Conforme Walter Gomes, a legislação que entrou ontem em vigor traz mais preocupação do que motivos para comemorar. “Mas um ponto positivo que podemos citar é a obrigatoriedade da preparação dos candidatos. As adoções ocorrem com total sucesso quando as famílias acolhedoras passam por intensa preparação”, reforça Walter. Segundo ele, a preparação é importante para que se desfaçam as fantasias geradas em torno da adoção. “Muitos interpretam como um objeto de satisfação do desejo do adulto, com uma criança idealizada. É preciso que se tenha em mente que o acolhimento deve ser incondicional e que quem precisa da adoção não é o adulto e sim a criança”.

Também está prevista na Lei a criação de cadastros nacional e estaduais de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e de pessoas ou casais habilitados à adoção. Também haverá um cadastro de pessoas ou casais residentes fora do País interessados em adotar, que, no entanto, só serão consultados caso não haja brasileiros habilitados nos cadastros internos.

Medo da maioridade


CEDOC/FERNANDO RODRIGUES/07.04.2009
Para Walter, foram colocadas pedras no caminho da adoção

Ao longo de 26 anos trabalhando no Abrigo Nosso Lar, no Núcleo Bandeirante, a diretora da unidade, Mariza Mendes de Moraes perdeu as contas de quantas crianças passaram pelo local, neste período. Hoje, o abrigo conta com cerca de 64 crianças. Mariza conta que durante estes anos conviveu com cerca de dez meninas e meninos que atingiram a maioridade dentro da instituição. “Todas elas vivem com expectativas de serem adotadas e quando vão chegando perto da maioridade, começam a perder as esperanças”, conta Mariza. Esta preocupação coincide com a de Walter Gomes de Souza, chefe do Serviço de Adoção da 1ª Vara da Infância e Juventude do DF. “Foram colocadas pedras no caminho de quem deseja adotar”, afirma ele. Para amenizar esta sensação de frustração, os adolescentes recebem um acompanhamento psicológico. Depois da maioridade, os jovens ainda recebem apoio da Vara, até conseguirem tornar-se independentes.

Toda esta situação, no ponto de vista de Mariza, poderá se tornar ainda mais comum. Com a nova lei não será mais permitido que grupos de irmãos sejam adotados separadamente. “Grande número de crianças que chega ao abrigo faz parte de grupos de irmãos, compostos, em média, por três crianças. E nem todas as famílias habilitadas estão dispostas a ficar com mais de uma criança. Corremos o risco de ver ainda mais meninos e meninas atingindo a maioridade dentro do abrigo”, observa a diretora. Mariza apontou como exemplo um caso raro ocorrido este ano e que, com a nova lei, não será mais possível. “Um grupo de seis irmãos foi adotado por três famílias. As crianças foram divididas em duplas, conforme a faixa etária”. Apesar desta separação, as famílias acolhedoras se comprometem a manter o vínculo entre os irmãos e todos os envolvidos acabam criando fortes laços de amizade.

E entre os raros casos de adoção tardia (com crianças maiores) em grupos de irmãos está o da historiadora Débora Azevedo, 46 anos. Ela conta que sempre teve o desejo de adotar – tendo ou não filhos biológicos. E, segundo Débora, não foi difícil o processo. Isso porque já estava inscrita e habilitada na 1ª Vara da Infância e Juventude e apresentou um perfil diferente de 99% dos candidatos à adoção: buscava uma criança maior, com cerca de seis a sete anos de idade. “Durante a entrevista me perguntaram o que achava de adotar duas irmãs. Gostei da ideia e à primeira vista me apaixonei por elas. Foi uma coisa meio mágica”, lembra Débora, que agora é mãe de Maria, de 7 anos, e de Joana (nomes fictícios), de 4. “Acho que foi a melhor coisa, pois uma faz companhia para a outra”, reforça.

Para ela, a adoção tardia, em especial com duas crianças, gera uma forte mudança de rotina. “De repente, são duas crianças para colocar para tomar banho, comer, ir à escola e dar atenção. Tudo isso preenche a vida de outra forma. Elas me ensinam a enxergar coisas no dia a dia que não via. É maravilhoso”, descreve Débora, encantada com a nova rotina.

Fonte: Jornal de Brasília

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