Correio Braziliense: Entrevista Leonardo Bandarra

Procurador-geral de Justiça fala pela primeira vez sobre menções ao seu nome em depoimento que originou a Operação Caixa de Pandora

Pela grande repercussão, a Operação Caixa de Pandora, iniciada pelo trabalho do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), poderia marcar a história como mais uma atuação destacada de promotores de Justiça. A ação, no entanto, também se tornou um incômodo interno pela citação do procurador-geral de Justiça do DF, Leonardo Bandarra, e da promotora Deborah Guerner à Polícia Federal como associados em interesses empresariais. Eles foram acusados pelo ex-secretário de Relações Institucionais Durval Barbosa, o delator do suposto esquema de corrupção instalado no Executivo e no Legislativo.

Em entrevista ao Correio, Bandarra fala pela primeira vez sobre o episódio. Sustenta que não se sente ameaçado pela promotora, embora ela tenha feito insinuações na rede interna do Ministério Público de que tem algo a revelar sobre o chefe da instituição. Ele garante que as citações a seu nome são mentirosas e fruto de sua atuação contra Durval Barbosa, alvo de dezenas de ações judiciais propostas pela instituição. “Não me sinto ameaçado, nem aceito ameaça de quem quer que seja, porque não tenho nada a esconder”, afirmou.

Bandarra disse que nunca interferiu no trabalho dos promotores, a quem sempre teria dado liberdade total para investigar qualquer autoridade. Conta que só soube do cumprimento dos mandados de busca e apreensão da Operação Caixa de Pandora no dia em que foram executados e assegura não ter sabido de antemão que Durval Barbosa resolvera fazer uma delação premiada. Mas garante: a investigação continua. Novas operações estão por vir.

Houve um depoimento de Durval Barbosa à Polícia Federal em que seu nome é citado. Como o senhor responde?

Ele menciona que teria negócio com uma promotora, o marido dela e um empresário. A primeira coisa que tem de ser clara: essa declaração é mentirosa.

O senhor pediu ajuda de Durval Barbosa para retirar da internet, em 2007, uma matéria que o relacionou a contratos na área da coleta de lixo, como consta no depoimento dele à PF?

Não. Requisitei uma investigação à Polícia Federal, na ocasião, que é quem deveria fazer isso.

O MP moveu várias ações relacionadas ao contrato de lixo no governo anterior. Nessa gestão, o MP também foi rigoroso com esses contratos?

Essa análise é feita pelas Promotorias de Defesa de Patrimônio Público. O mesmo promotor tratou de todos os processos de licitação do lixo nesses anos que se seguiram, sem intervenção alguma da procuradoria-geral. Tenho total confiança em todos os promotores do Patrimônio Público e assino embaixo de todos os atos que eles praticaram.

Por que, então, seu nome foi citado nesse depoimento?

Estamos diante de um combate ao crime organizado que não é de agora, começou em 2004, na gestão de Rogério Schietti, e de lá para cá o MP vem se aperfeiçoando. Antes de eu assumir, o CI (Centro de Inteligência) e o Núcleo de Combate às Organizações Criminosas (NCOC) tinham três integrantes e oito servidores. Atualmente existem sete membros, 30 servidores, mais colaboradores requisitados de instituições bancárias para análises dos nossos trabalhos. Cada vez que você atua contra o crime organizado, você sofre retaliações. No meu caso específico, posso dizer que isso pode ser uma retaliação. Não tenho nada a esconder.

E-mails da intranet do Ministério Público mostram que a promotora Deborah Guerner, também citada por Durval Barbosa, parecia nervosa. Ela disse que não ficaria sozinha como improba. Qual é a sua relação com ela?

Tenho relação institucional com ela, a conheço há mais de 10 anos, como conheço vários promotores de Justiça. Ponto final. Em relação à citação do inquérito, solicitei ao procurador-geral da República oficialmente a instauração de processo de investigação. Encaminhei todos os e-mails para que ele investigue da mesma forma. Não me sinto ameaçado, nem aceito ameaça de quem quer que seja porque não tenho nada a esconder.

Num determinado trecho, a promotora insinua que tem gravações. O senhor acha que foi gravado?

Não faço a mínima ideia do que ela esteja fazendo e não tenho nada a temer. Nessa situação toda, o meu nome foi colocado de forma leviana, de forma criminosa, e será apurado.

O senhor tem notícia de que ela interferiu de alguma forma para beneficiar contratos de lixo?

Quem tem de responder isso são os promotores da área do Patrimônio Público. Para mim, ela não pediu nada, nem tenho conhecimento de que tenha feito qualquer pedido.

Dois promotores que atuam no NCOC, Sérgio Bruno Fernandes e Clayton Germano, depois de ouvir oficialmente as primeiras denúncias contra o governador Arruda, encaminharam o depoimento diretamente à Procuradoria-geral da República, sem passar pelo senhor. Isso é usual?

Isso é comum e usual na estrutura que foi montada no Ministério Público na minha administração. O Clayton e o Sérgio Bruno são integrantes do NCOC, mas são meus assessores. Nós fazemos aqui uma compartimentalização de informações. Isso quer dizer o quê? Você sabe aquilo que você precisa saber. Não sabe o que não precisa. Foi assim na Operação Aquarela, na Megabyte e na Caixa de Pandora. Eles receberam a informação de atos e fatos que não eram atribuição do procurador-geral de Justiça. Então eu não precisava ficar sabendo. Fiquei sabendo no dia em que foi realizada a operação.

O senhor não sabia que Durval Barbosa havia procurado a promotora Alessandra Queiroga com o intuito de oferecer uma delação?

Não.

A promotora Alessandra sempre foi uma pessoa muito próxima ao senhor…

Todos (do CI e do NCOC) são meus assessores e muito próximos. Uma coisa é a amizade. Outra coisa é o profissional. O Ministério Público é feito de promotores honrados, comprometidos e com independência funcional, porque é assim que a minha administração exige.

Como funciona essa delação premiada de Durval Barbosa?

Todo criminoso que delata, revela ou traz informações que sejam úteis na elucidação dos crimes dos quais participou pode oferecer uma redução da pena conforme aqueles atos e fatos que ele delatou. Por exemplo, quando ele entrega dinheiro para alguém pode configurar um crime, uma corrupção de quadrilha, enfim, que em será denunciado. Nesse crime, ele terá redução de pena. E também nas ações que já tramitam desde que ele traga informações que contribuam para a elucidação da verdade desses crimes.

No dia da Operação Caixa de Pandora, o senhor foi surpreendido?

Sim.

O senhor avalia que manteve nesses três anos uma relação com o governador Arruda que de alguma forma tenha extrapolado seu papel como procurador-geral? É uma crítica que alguns promotores fazem…

Alguns poucos promotores fazem essa crítica. O relacionamento que tenho é completamente institucional. Essa proximidade e esse bom relacionamento não impediram jamais que o MP atuasse e tomasse todas as providências que tivessem de ser tomadas. A maior e mais significativa foi a questão dos condomínios. O governo queria a venda direta, o MP queria por licitação e mantivemos nosso posicionamento até a decisão do Supremo Tribunal Federal. Quando o Supremo reconheceu a venda direta, assumimos essa posição. Quando o governador veio a público dizer que queria que os imóveis fossem vendidos a preço de IPTU, o MP esclareceu que não podia porque o patrimônio era da Terracap, uma empresa pública que deveria decidir o valor. E as normas da Terracap eram pelo valor de mercado. Então conseguimos demonstrar para a Terracap e conseguimos mudar essa posição.

O senhor acredita que a sua postura aberta de receber políticos em seu gabinete e participar de reuniões em Águas Claras o tenha transformado em alvo?
O alvo decorre das ações impetradas pelo MP. As boas relações institucionais que mantemos com o GDF, com o Tribunal de Justiça e com a Câmara Legislativa são iguais para todos. Recebo todo mundo aqui, vou a todos os lugares para discutir assuntos desde que relacionados à minha atuação institucional.

O senhor avalia que os promotores pela citação de seu nome, de alguma forma, se sentem constrangidos?

O que há não é um constrangimento. É um sentimento de uma injustiça, de uma inverdade e leviandade. Há o sentimento de revolta.

Pelo menos oito deputados estão sob suspeição, o MP pode fazer algo para interferir nos pedidos de impeachment do governador Arruda?

Estamos atentos para que se tiver algum desvio de rumo em relação à legalidade, não ao mérito porque isso cabe ao Poder Legislativo, nós atuaremos para que isso seja decidido pelo Poder Judiciário. Essa arguição de suspeição foi colocada pela OAB no próprio pedido de impeachment e está para ser decidida. Há que ter uma manifestação da Câmara Legislativa para ver se vai fugir ou não do processo legislativo. Agora, se nós trouxermos para o lado judicial, fazendo uma analogia, evidentemente que aquele que tem interesse na causa não pode julgar essa causa.

O senhor tem a competência para denunciar deputados. Com o que já foi revelado, já dá para apresentar ações penais?
Estamos no curso das investigações. Novas operações poderão ser realizadas. E no curso de investigação não se toma nenhuma atitude judicial. É preciso aguardar para chegar ao término da investigação para chegar a uma conclusão em relação à complexidade dos fatos. O Ministério Público Federal vai decidir se denuncia no Superior Tribunal de Justiça ou se vai desmembrar e encaminhar o resto para cá.

As imagens de autoridades recebendo dinheiro configuram crime?
É difícil fazer um juízo de valor em cima de uma imagem. O que há é uma imagem chocante que deve ser muito bem explicada do ponto de vista da lei. Os fatos e as suas circunstâncias precisam ser investigados.

Por causa da Operação Caixa de Pandora, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pediu explicação a três desembargadores. O senhor avalia que houve algum tipo de tráfico de influência no recebimento da denúncia contra Durval Barbosa no Tribunal de Justiça do DF?

Todos os fatos precisam ser investigados. Mas o que manifestei nesta semana no Tribunal de Justiça é que conheço os desembargadores citados e o depoimento que posso ter é que até onde conheço os fatos eles são extremamente sérios. Às vezes, decidem de acordo com o MP, às vezes, não. Mas sempre de acordo com as suas consciências.

De alguma forma, Durval conseguiu atingir a imagem do MP?

A imagem do MP é construída de acordo com os atos que pratica e são todos ilibados e de acordo com a lei. Por isso, enquanto agirmos assim, ninguém vai conseguir nos atingir.

Fonte: Correio Braziliense

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