Correio Braziliense: Estudo da Universidade de Brasília mostra que penas alternativas reduzem reincidência

De acordo com pesquisa, condenados por furto ou roubo submetidos à ressocialização têm menos chance de voltar à criminalidade

Uma pesquisa do Grupo Candango de Criminologia, da Universidade de Brasília (UnB), revela o que muita gente já desconfiava: presos por furto ou roubo que cumprem penas alternativas têm menos chance de voltar a cometer delitos. O estudo inédito, feito ao longo dos últimos quatro anos, analisou em detalhes as fichas criminais de 407 homens condenados pelos dois crimes no DF, entre 1997 e 1999. Dos que cumpriram penas alternativas, como o pagamento de cestas básicas ou prestação de serviço à comunidade, 24,2% cometeram delitos novamente. Já os que receberam sanções mais severas da Justiça, e pagaram pelos erros cometidos em regime fechado, tiveram índice de reincidência de 53,1%. “É um resultado preocupante, pois ratifica o que muitos dizem por aí: que a cadeia é a escola do crime. Quem passou pela prisão tem mais chance de voltar a ela”, conclui a promotora de Justiça Fabiana Costa, que é uma das coordenadoras da pesquisa.

Apesar de os números sugerirem que a pena alternativa reduz as chances de um indivíduo voltar a infringir a lei, a morosidade da Justiça faz com que mesmo aqueles condenados a cumprir punições mais brandas fiquem na cadeia por um bom tempo. Entre os que responderam por furto, 25,23% passaram entre 31 e 81 dias encarcerados. Já os sentenciados por roubo, 44,2% ficaram na cadeia entre 82 e 180 dias. A prisão provisória (veja quadro), que deveria ser exceção, tornou-se regra. “Em casos de flagrante, o acusado só sai (da prisão) por meio de uma decisão judicial. Isso, às vezes, leva um certo tempo e ele vai ficando na cadeia”, ressalta Fabiana.

Voluntariado

O estudante Fábio (nome fictício) é a prova de que quitar a dívida com a Justiça ajudando a quem precisa é um bom caminho. No fim de 2007, logo após completar 18 anos, ele foi preso por furtar um veículo em Santa Maria. O rapaz seguiu com o carro para Valparaíso (GO) e foi detido pela polícia local. Ficou na cadeia 10 dias, antes de ganhar o direito de responder em liberdade. Quase três anos depois, o juiz responsável pelo caso determinou sua pena: trabalhar em prol de um projeto social e doar 24 cestas básicas para uma entidade.

Fábio se voluntariou no projeto Esporte à Meia-Noite, da Secretaria de Segurança Pública, que tem por objetivo prevenir a criminalidade em comunidades carentes por meio de ações esportivas e qualificação profissional. O garoto, hoje com 20 anos, se adaptou rápido ao ambiente alegre do projeto e pretende continuar a fazer parte dele mesmo depois de findada a punição. “Eu tenho que cumprir dois anos de trabalhos voluntários, mas quero ficar lá depois. Todo mês eu também levo uma cesta básica para uma entidade carente do Gama. Hoje, mesmo se eu não fosse obrigado a doar essas cestas, eu levaria. É muito bom ajudar a quem precisa. Essa pena me ajudou a dar mais valor às pessoas”, conta Fábio, que retomou os estudos (está no 2º ano do ensino médio).

Graças ao bom desempenho no projeto, Fábio conseguiu um emprego em uma gráfica no Gama, cidade onde mora, e já traça voos bem mais altos na vida. “Quero terminar a escola e entrar numa faculdade de educação física. Eu gosto muito de esporte e quero poder ganhar dinheiro com isso”, almeja.

Vítimas descontentes

Outro fator interessante revelado no estudo da UnB foi o fato de as vítimas se sentirem descontentes com o andamento dos processos no Judiciário. A professora e coordenadora do Grupo Candango de Criminologia e orientadora da pesquisa, Ela Wiecko, afirma que as pessoas que tiveram bens furtados ou roubados reclamam dos mecanismos legais de reparação de danos previstos na legislação. “Nas entrevistas realizadas, uma das principais queixas das vítimas é em relação à conclusão do processo, que não repara os danos que elas tiveram”, diz Ela.

Ao contrário do que muitos pensam, as pessoas ouvidas na entrevista alvos de furto e roubo aprovam a aplicação de medidas alternativas, mas com algumas ressalvas, e citam a conjunção de dois fatores para ficarem satisfeitas quanto à punição aplicada aos seus algozes: o tipo de conduta praticada e os antecedentes deles. A grande maioria dos ouvidos no estudo concorda com as penas em que os condenados trabalhem em prol do estado, como limpar ruas, pintar prédios pichados ou prestar serviços em instituições de caridade, mas são avessos ao pagamento de cestas básicas. “A intenção do estudo é mostrar que é possível ressocializar oferecendo educação, trabalho e assistência psicológica em meio aberto. O estado pode manter o controle de quem foi condenado por esses dois tipos de crime oferecendo a elas uma estrutura melhor. Isso se chama visão restaurativa e é o melhor caminho para melhorar as relações sociais”, opina a docente Ela Wiecko.

Reincidência

Dos casos estudados na pesquisa da UnB, veja quantos voltaram a cometer delitos:

Condenados a pagar penas alternativas: 75,8% não reincidiram / 24,2% reincidiram

Regime aberto: 58,4% não reincidiram / 41,6% reincidiram

Semiaberto: 50,4% não reincidiram / 49,6% reincidiram

Fechado: 46,9% não reincidiram / 53,1% reincidiram

Total: 57,9% não reincidiram / 42,1% reincidiram

Universo de processos analisados: 407

Na cadeia
Tempo médio que os acusados permaneceram detidos

Até 7 dias: 14,95%

De 8 a 15 dias: 24,30%

De 16 a 30 dias: 14,95%

De 31 a 81 dias: 25,23%

De 82 a 180 dias: 11,21%

De 181 a 360 dias: 4,67%

De 361 a 720 dias: 1,87%

Universo de processos analisados: 407

Palavra da especialista

Penas são muito brandas

“As pessoas condenadas a penas alternativas, em sua grande maioria, não são criminosos por índole. Quem comete um furto não tem a mesma personalidade de quem usa da força para subtrair um bem. Enquanto um comete um crime de oportunidade, o outro pratica a violência. O que eu quero dizer é que a baixa reincidência de quem é submetido a penas alternativas não necessariamente significa que ela é eficiente. As penas alternativas são muito brandas. O mais correto seria se elas fossem mais severas. Por exemplo, condenar um motorista flagrado dirigindo embriagado a lavar durante algum período as viaturas do Detran. Não sou a favor da extinção da pena alternativa, mas defendo que ela seja efetiva e tenha um caráter ressocializador.”

Maria José Miranda Pereira, promotora de Justiça criminal

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