Correio: Sob a batuta do CNJ

Recomendações do conselho para as mudanças do Código de Processo Penal incluem o fim de juiz de garantia e a definição de um prazo de 360 dias para a conclusão de inquéritos policiais. Sugestões visam dar mais velocidade aos processos

A reforma do Código de Processo Penal (CPP), elaborada por uma comissão de respeitados juristas e atualmente em tramitação no Senado, receberá uma série de sugestões de emendas — muitas com potencial para reacender discussões em torno de um tema naturalmente controverso. As recomendações, aprovadas em sessão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), pedem o fim do juiz de garantia, a manutenção da audiência una, a impossibilidade de recursos para decisões internas do processo e a definição de prazo para inquéritos policiais, entre outras modificações importantes. A nota técnica da entidade, à qual o Correio teve acesso, menciona preocupação com a celeridade das ações judiciais, sem que isso signifique riscos das garantias individuais.

Valter Nunes da Silva Junior, conselheiro do CNJ, destaca que é preciso reformar alguns pontos da proposta para que se faça uma modificação consistente. “As alterações devem ser sentidas no ritmo e na qualidade da prestação de serviços do Judiciário à população”, defende. As mudanças propostas, conforme o conselheiro, basearam-se muitas vezes na atual realidade do sistema. Caso da figura do juiz de garantia, que seria um magistrado incumbido da fase pré-processual, como quebra de escutas telefônicas ou sigilos telefônicos, enquanto o julgamento ficaria a cargo de outro juiz. “No campo teórico, apoiamos a ideia. De fato, quem julga fica menos contaminado com a investigação. Mas 40% das varas estaduais de Justiça no Brasil funcionam com apenas um magistrado. Como colocar isso em prática?”, questiona Silva Junior.

O CNJ defende, ainda, a manutenção da audiência una, incorporada ao CPP em 2008. “Essa foi uma mudança importantíssima que obriga o juiz a chegar mais preparado para a audiência, depois de estudar o processo. Dessa forma, ele pode sentenciar logo, sem precisar marcar diversas audiências com intervalos grandes de tempo. O problema é que muitos doutrinadores não entendem que a audiência una pode se desenrolar em dias consecutivos, porém será única. Agora querem acabar com essa conquista”, reclama o conselheiro do CNJ. Alberto Toron, criminalista e conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil, é favorável ao fim do procedimento uno. “Assim o juiz terá mais tempo de, por exemplo, ouvir todos os envolvidos em um processo com muitas testemunhas”, defende.

Recurso

Já Romualdo Sanches Calvo Filho, presidente da Academia Paulista de Direito Criminal, considera positivo manter a audiência una. “O juiz pode pedir, ao fim do procedimento, um prazo de 10 dias para se manifestar. Não vejo pressão nisso, acho importante para agilizar as ações e acabar com o cemitério de processos que temos atualmente”, diz. O criminalista também elogiou a proposta do CNJ de fixar em 360 dias, prorrogáveis por mais 360, o prazo para finalizar os inquéritos policiais. “É um período bem razoável que servirá para a polícia empreender mais esforços. Hoje, o réu estando solto, o prazo de 30 dias fica sendo prorrogado indefinidamente”, observa Calvo Filho.

Principais pontos

Em nota técnica, os conselheiros da entidade aprovaram emendas a serem apresentadas ao projeto de reforma do Código de Processo Penal (CPP). Veja quais são as questões mais importantes:

Fim do juiz de garantia

Prevista no texto atual sob análise do Senado, o juiz de garantia, que se encarregaria da fase pré-processual, enquanto um outro magistrado ficaria com o julgamento, tem o apoio do CNJ no campo teórico. Porém, na prática, devido ao número reduzido de juízes no país, os conselheiros querem a retirada do dispositivo do projeto de lei.

Manutenção da audiência una

Introduzida no CCP na reforma feita pelo Legislativo em 2008, a audiência una, que significa iniciar e terminar um processo, ainda que em dias consecutivos, de forma mais célere, corre o risco de ser enterrada pela proposta em debate. Para o CNJ, é imprescindível a manutenção da audiência una para agilizar o ritmo dos processos e imprimir uma forma de trabalho mais produtiva no Judiciário.

Sem recurso para decisões interlocutórias

No processo penal não cabe recurso contra as decisões interlocutórias (que não são as sentenças finais, mas decisões no decorrer do processo) quando pode haver prejuízo no andamento. A reforma que se discute no Congresso pretende abrir a possibilidade de recurso para todos os tipos de decisões interlocutórias. O CNJ é contra.

360 dias para inquéritos policiais

Em vez dos atuais 30 dias, prorrogáveis indefinidamente, o CNJ sugere que o inquérito policial possa durar 360 dias, podendo ser prorrogado por igual período. Ao fim desse período, o Ministério Público terá que fazer a denúncia ou arquivar. A medida visa impor limites de tempo ao trabalho policial e resguardar as pessoas investigadas, para que não fiquem indefinidamente sob alvo da polícia.

Em nome da agilidade, o CNJ também quer derrubar previsão do projeto original que possibilita o ajuizamento de recursos para toda e qualquer decisão interlocutória (manifestadas ao longo do processo, quando, por exemplo, o juiz determina uma prisão ou recebe a denúncia do Ministério Público). Hoje, se o recurso implica problemas no andamento do processo penal, não pode ser apresentado. A exceção está nos casos de prejuízo ao acusado, que pode ingressar com habeas corpus. “Imagine se formos permitir recurso em todas as decisões interlocutórias, o processo não acabará nunca. Todo mundo vai interpor recurso o tempo inteiro”, diz o conselheiro do CNJ. A entidade também sugere que o tema das interceptações telefônicas seja regulado por lei específica. “Estão tentando incluir isso no CPP, mas claro que não haverá como detalhar um assunto tão delicado”, afirma Silva Júnior.

Fonte: Correio Braziliense

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