O Estado de S. Paulo: A greve dos juízes federais

Para tentar forçar a aprovação de um reajuste de 14,79% em seus vencimentos, a título de reposição da inflação, a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) tomou duas iniciativas polêmicas. A entidade é integrada por cerca de 2 mil magistrados, que hoje recebem R$ 22,9 mil por mês. Em 2009, a corporação reivindicou um reajuste de 16% e recebeu um aumento de 8,8%, pago em duas parcelas. Os juízes também estão pleiteando o reconhecimento de “simetria de carreira” com o Ministério Público Federal. Os integrantes deste órgão têm direito a vantagens funcionais que não são garantidas à magistratura.

A primeira iniciativa da Ajufe foi anunciar uma greve dos juízes federais no dia 27 de abril, com o objetivo de cobrar maior envolvimento do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) nas lutas salariais da corporação e de pressionar o Ministério do Planejamento – o órgão responsável pelo Orçamento da União. A segunda iniciativa foi protocolar uma ação no STF, pedindo à Corte que determine o aumento de seus ministros, independentemente de decisão do Congresso.

O projeto de aumento da magistratura – que tem seus vencimentos atrelados aos dos ministros do Supremo – foi enviado pelo ministro Cezar Peluso ao Congresso em agosto de 2010 e ainda não foi votado. Pelo projeto, os ganhos dos ministros do STF passariam de R$ 26,7 mil para R$ 30,6 mil – e, com isso, os ministros do Superior Tribunal de Justiça passariam a receber R$ 29,1 mil; os desembargadores federais, R$ 27,6 mil; e os juízes federais R$ 26,3 mil.

A direção da Ajufe alega que o reajuste anual dos salários do funcionalismo está previsto pela Constituição (na realidade, ela fala em “revisão”, obviamente dependendo da disponibilidade de caixa da União, o que não é o mesmo que aumento). A categoria também afirma que a Constituição garante a irredutibilidade dos salários. Segundo os juízes, a inflação corrói o poder aquisitivo – e, se os vencimentos não são corrigidos, isso configuraria uma efetiva redução de salário (o que a Carta proíbe é redução nominal dos vencimentos). Na ocasião em que o projeto de Peluso foi divulgado, o então ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, classificou como “delirantes” as pretensões do Judiciário – que também pedia verbas suplementares para planos de cargos e reformas administrativas.

Na ação aberta no STF, os juízes federais acusam os presidentes do Senado e da Câmara de tratar o Poder Judiciário de modo discriminatório, recusando-se a colocar o projeto de Peluso na pauta de votação. Em resposta, o presidente da Câmara, deputado Marco Maia (PR-RS), e o líder da bancada majoritária, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), informaram que o projeto do Supremo não é prioritário.

Com o mandado de omissão impetrado na mais alta Corte do País, os dirigentes da Ajufe, que no mês de fevereiro já haviam trombado frontalmente com o Palácio do Planalto, entram em rota de colisão com o Poder Legislativo. “O governo não pode tratar sua relação com outro Poder, que é independente, como se estivesse negociando com sindicato de motorista de ônibus”, disse o presidente da entidade, Gabriel Wedy, no mês passado. Diante da repercussão negativa de sua declaração, dias depois ele divulgou nota procurando justificar a comparação.

As iniciativas da Ajufe podem gerar graves problemas institucionais. Em primeiro lugar, ao pedir que o STF determine o aumento da magistratura independentemente do Congresso, a entidade está estimulando um perigoso confronto entre os Poderes. Em segundo lugar, se aumentarem seus vencimentos atropelando o Congresso, os ministros do STF estarão decidindo em causa própria, o que comprometerá sua autoridade. E, por fim, se entrarem em greve, como estão ameaçando, os juízes federais estarão descumprindo a Constituição. Como a Carta garante o acesso à Justiça, se cruzar os braços, a magistratura federal estará afrontando garantias fundamentais – atitude inadmissível para uma corporação que tem o dever funcional de zelar pelo cumprimento da ordem constitucional.

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