Empório do Direito: O auxílio-moradia do MPU ou “o que os servidores têm a ver com isso?”

Por Lenio Luiz Streck – 03/02/2015 (professor da Unisinos e Unesa, Doutor e Pós-Doutor em Direito, Ex-Procurador de Justiça e Advogado)

Era uma vez um orçamento… Não, este texto não é um conto de fadas. André Karam Trindade foi cirúrgico em sua coluna Diário de Classe no ano de 2014 (ler no Conjur AQUI. Ali, Trindade fez um texto irônico “sugerindo” que se fizesse um mandado de injunção para todos aqueles que não tenham moradia no país, utilizando como analogia o auxílio-moradia recém concedido. O pior é que teve gente que não entendeu que era ironia. Muitos teceram “eruditas considerações” para dizer que não era caso de usar o writ injuntivo. Não foi fácil explicar a ironia. André teve muito trabalho. Foi preciso chamar o fantasma do Millor, que cunhou a frase “no Brasil até ironia tem de ser explicada”.

República, auxílio-moradia, orçamento, milhões de dinheiros, cortes orçamentários. Sim, essas coisas têm algo em comum. E deixo desde logo bem claro que este texto não pretende fulanizar o debate. Não se trata de estabelecer um inimigo da (e na) República. E afastar discursos do tipo “o país vai mal e está em crise por causa do auxílio-moradia”. Meu histórico mostra que eu posso bem mais do que isso. Sem moralismos, então.

Portanto, o que este artigo-coluna procura fazer é estabelecer um espaço de debate econstrangimento epistemológico, como não me canso de repetir (mormente em Verdade e Consenso e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica). Em especial, trata-se de catar os traços escondidos nos discursos e práticas institucionais, o plano simbólico do agir comunicativo, nas palavras habermasianas. Afinal, o Ministério Público é o fiscal da lei, pois não?


Mania dos servidores do MPU quererem água fresca e ar condicionado…

A consequencia – que, como dizia o Conselheiro Acácio, “vem sempre depois” – mais imediata decorrente da implementação do auxílio-moradia está sendo (com o perdão do gerundismo) uma reformulação orçamentária no âmbito do Ministério Público da União, aqui utilizado como exemplo privilegiado. Em matéria assinada por André Mags, o jornal gaúcho Zero Hora noticia que o MPU determina corte de gastos para pagar auxílio-moradia e revolta servidores no RS (ler AQUI).

Ficou claro pela reportagem que houve – está havendo – uma promoção de corte de gastos orçamentários para garantir o pagamento do auxílio-moradia dos membros do Ministério Público Federal. A serra elétrica alcança diárias e passagens aéreas. Até aí, tudo bem. Racionalizar os gastos é uma questão de eficiência administrativa, consentânea à principiologia constitucional (art. 37, caput, da Constituição, com a redação dada pela Emenda 19/1998). Cortar gastos é sempre louvável. O problema exsurge quando se sabe – e isso não foi desmentido (ao contrário, foi confirmado) – que o corte é garantir o pagamento do auxílio-moradia (como se ele fosse urgente, perecível e houvesse algum membro do MPU sem moradia). Parem as máquinas. “- Sem o auxílio-moradia será o caos”, poderia ser uma manchete de jornal.

A notícia de ZH permite ao leitor observar que os cortes alcançam, inclusive, gastos na energia elétrica, no telefone fixo e celular, correio e malote, em combustíveis, suprimento de fundos para pequenas despesas e até na água mineral. Em tempos de quase 40 Graus, a ordem é diminuir o ar-condicionado e beber menos água. Se possível, beber a água em temperatura ambiente, para não gastar energia elétrica. E o motivo disso tudo é garantir o pagamento do auxílio-moradia. Vejam: o ex-Chanceler Amorim denuncia na Folha de São Paulo de 1.02.2015 que as embaixadas brasileiras no exterior estão sem pagar a luz e isso pode causar prejuízos à saúde dos servidores. Penso que isso vale para os servidores do MPU, nesses dias de extremo calor. Como no filme “O Massacre da Serra Elétrica”, também aqui não são poucos os cortes.

Para finalizar a abordagem sobre a notícia de ZH, trago à lume uma declaração de autoridade pública que vale mais pelo seu sentido simbólico (pensemos sempre na Instituição Imaginária da Sociedade, de Castoriadis) do que, propriamente, pelo seu significado mais primitivo, de menor alcance, ou seja, aquele sentido mais imediato que o texto engendra. Trata-se do procurador-chefe do MPT-RS, Fabiano Holz Beserra, respeitável e qualificado agente público, que, ao ser questionado sobre a situação, reconhece os cortes orçamentários. E procura contradizer as críticas aos cortes a partir da afirmação de que o MP continua com água e ar-condicionado. Penso eu: ufa, que alívio…! Todavia, ao justificar os cortes, como que na tentativa de ir além da garantia do auxílio-moradia, diz que o “pessoal ligava o ar-condicionado já na primeira hora da manhã, sem estar na sala. A gente racionalizou isso. Talvez os ânimos estejam meio exaltados por causa da campanha salarial deles”.

Aqui parece estar o dado nuclear do plano simbólico de toda essa peleja. Para o Dr. Fabiano, o problema não é o conteúdo e a forma de concretização do auxílio-moradia. Não. O problema, em sua ótica, é a “irracionalidade” dos gastos orçamentários (como assim, ligar o ar-condicionado na primeira hora da manhã?!) e o insucesso da campanha salarial “deles”, os servidores. Uns contra os outros, luta de classes?… Caso “eles”, os servidores, estivessem com o salário atualizado e se comportassem “direitinho” (ar-condicionado só à tarde…!), talvez não reclamassem. E o pagamento do auxílio-moradia estaria garantido. E nada de ZH.

Ou seja, fica estranho que se tenha de cortar gastos que atingem a infraestrutura da Instituição para pagar um auxílio que os diretamente atingidos pelos cortes – os servidores – não recebem. Dworkinianamente, diria que não é compatível com a justiça transferir recursos de um determinado grupo de pessoas para fazer a felicidade de outros. Poderia discutir, aqui, o valor do auxílio (o jornal fala disso). Mas isso poderia parecer mesquinho ou oportunismo. O benefício já foi suficientemente criticado e há de ser devidamente julgado pelo STF.

A continuar assim, vou lançar a campanha pelo auxílio-bunker…!

And I rest my case!

fonte: http://emporiododireito.com.br/o-auxilio-moradia-do-mpu-ou-o-que-os-servidores-tem-a-ver-com-isso-2/

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