Correio Braziliense: Com medo da recessão, BC corta 1,5

Para salvar a demanda, último recurso para sustentar o crescimento, Copom acelera redução da taxa. Lula ficou satisfeito, mas quer mais e espera Selic abaixo de 10%

Atropelado pelo tombo brutal da economia no quarto trimestre do ano e pela recessão que engolfou o país, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) foi obrigado ontem a acelerar o processo de queda da taxa básica de juros (Selic). O corte ficou em 1,5 ponto percentual, conforme consenso do mercado, o maior recuo desde novembro de 2003. A taxa passou de 12,75% para 11,25% ao ano, voltando aos níveis de abril de 2008 — piso histórico da Selic —, quando o BC deu início a um processo de alta para conter um movimento inflacionário. Logo depois da decisão unânime do Copom, o presidente Lula comentou com assessores que estava “satisfeito”, mas espera mais. Quer que os juros cheguem em junho próximo em um dígito, isto é, abaixo de 10%.

Ao abrir mão do conservadorismo que sempre o marcou, o BC indicou que está disposto a preservar o único pilar que ainda pode garantir um crescimento para a economia neste ano: a demanda doméstica. Na visão do banco, com o mercado internacional destruído e sem chances de recuperação até 2010, é preciso manter o emprego e a renda em patamares consistentes, pois, desta forma, o consumo das famílias estimulará os empresários a retomarem a produção e os investimentos. O BC também conta que, com a Selic menor, os bancos reduzam as taxas de juros cobradas de empresas e consumidores, pois, o que se observa, agora, não é mais um problema de oferta de crédito, mas de demanda. O empresariado não quer se endividar, já que teme ampliar as fábricas e não ter para quem vender. As famílias, por sua vez, adiam compras diante da ameaça do desemprego.

É por isso que todo o mercado aposta na continuidade da queda dos juros. “Tudo está jogando a favor do BC para que a Selic chegue em 9%”, afirmou o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. “Se existe algum risco hoje é de a economia se deteriorar ainda mais. A inflação está sob controle e vai ficar no centro da meta, de 4,5%”, acrescentou o gestor de Renda Fixa da Global Equity, Otávio Vaz. Na avaliação do economista-chefe da Máxima Asset Management, George Bezerra, ao cortar 1,5 ponto e não dois pontos da Selic, como defendeu parcela dos analistas, o Copom manteve munição para acelerar o processo de afrouxamento dos juros caso a situação fique pior aqui e no exterior. “Há chances de o movimento de baixa se entender pelo segundo semestre”, assinalou.

Sem ilusões

Apesar da certeza de que os juros vão continuar caindo, o BC não se comprometeu com novas reduções. Foi uma forma de não cometer os erros recentes. Em janeiro, quando o Copom diminuiu a Selic em um ponto, seu comunicado ao mercado garantia que “parte relevante” da queda já tinha ocorrido. Os números da produção industrial em janeiro (retração de 17,2%) e o encolhimento de 3,6% do PIB no último trimestre de 2008 mostraram que era preciso aumentar a dose. Lição aprendida, no comunicado de ontem, o BC destacou que, levando “em conta a magnitude e a rapidez da queda dos juros” (2,5 pontos desde o início do ano), será preciso avaliar seu impacto sobre a atividade e a inflação até a próxima reunião, nos dias 28 e 29 de abril. Só então definirá “os próximos passos da política monetária”.

Segundo o professor Alcides Leite, da Trevisan Escola de Negócios, daqui até o novo encontro do Copom, os diretores do BC vão se fartar de indicadores importantes, a começar pelos dados do varejo em janeiro, que serão divulgados amanhã. Depois, virão informações sobre o mercado de trabalho, a produção de fevereiro e os indicadores preliminares da indústria e do consumo de março. “E não tenho dúvidas de que tudo levará a crer que serão necessários mais cortes de juros. Só veremos uma reação mais efetiva da economia a partir do segundo semestre”, afirmou.

Mais otimista, o presidente da Associação Nacional das Instituições do Mercado Aberto (Andima), Alfredo Moraes, disse que o BC agiu na dose certa, pois uma redução de dois pontos da Selic seria interpretado como um sinal de que o quadro econômico é muito pior se pensa. “Não me surpreenderei se o PIB fechar o ano com crescimento entre 1% e 2%”, frisou. Lima Gonçalves, do Banco Fator, disse que é bom não ter ilusões. “Quando os juros sobem, a economia para logo. Mas quando caem, leva muito tempo até que façam efeito”, destacou.

Para Carlos Thadeu Filho, economista-chefe da SLW Asset Management, além da queda mais acentuada dos juros, é importante destacar a unanimidade da decisão do Copom. Era importante que o presidente do BC, Henrique Meirelles, construísse um consenso. A divisão entre os diretores — estimulada por pressões políticas — só serviria para estimular volatilidade no mercado e adicionar mais incertezas num horizonte muito nebuloso.


Bancos seguem queda

Assim que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) divulgou a esperada queda de 1,5 ponto percentual da taxa básica de juros (Selic), as maiores instituições financeiras do país anunciaram redução no custo de seus empréstimos a empresas e consumidores. Foi uma forma de responder às críticas do governo, que vinha acusando o sistema de se apropriar da diminuição da Selic para ampliar seus ganhos.

Itaú-Unibanco, Santander-Real, Bradesco, Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil garantiram que estão repassando integralmente à clientela o corte de Selic. Na maior parte das instituições, as baixas se concentraram no cheque especial e no cartão de crédito, que têm as taxas mais extorsivas do mercado, e nos empréstimos pessoais. No caso das empresas, prevaleceu o corte nas operações de capital de giro, às quais o setor produtivo recorre para bancar despesas do dia a dia enquanto o faturamento não entra no caixa.

Segundo o economista-chefe da Máxima Asset Management, George Bezerra, o barateamento do crédito é vital para país, pois foi o forte crescimento dos empréstimos e financiamentos que permitiram o aumento dos investimentos produtivos e do consumo nos últimos anos, duas das principais alavancas do Produto Interno Bruto (PIB). “Por enquanto, ainda não veremos uma retomada do crédito, pois há um temor com o aumento da inadimplência”, destacou.

Maior do mundo

Apesar da diminuição da taxa Selic, de 12,75% para 11,25% ao ano, o Brasil continuou na liderança do ranking dos países com os maiores juros reais do planeta. Pelas contas da Consultoria UPTrend, descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, de 4,45%, a taxa real brasileira ficou em 6,5%. Em segundo lugar apareceu a Hungria, com 6,2%, seguida pela Argentina (4,3%), China (4,3%), Turquia (3,5%) e Taiwan (2,6%). Na média geral de 40 países acompanhados pela empresa, os juros reais estão em 0,1%. A lista mostra ainda que 20 economias estão com taxas negativas. Para que o Brasil saísse do topo do ranking, o Copom teria que ter cortado a Selic em dois pontos, para 10,75%. Os juros reais passariam, então, para 6%. (VN)

Fonte: Correio Braziliense

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