Justiça reduz burocracia para avançar no tempo

Presidente Lula sanciona lei que acelera a tramitação dos processos e poderá, segundo o ministro Luiz Paulo Barreto, diminuir em seis meses o prazo de conclusão de um caso. Medida também deve melhorar o espaço físico nas Cortes

A burocracia, um dos gargalos mais complexos do Poder Judiciário, deve diminuir com uma lei assinada, ontem, pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A migração de processos de uma instância para outra, antigamente, exigia o envio do agravo de instrumento — nome dado ao recurso judicial feito contra uma decisão — com uma cópia do processo para ser analisado no tribunal. Se o recurso fosse aceito, os advogados precisavam, então, mandar os documentos originais. A nova legislação acaba com a tramitação dupla e, por isso, além de melhorar o aproveitamento dos espaços físicos nos tribunais, dá mais celeridade na continuidade dos casos. De acordo com o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto, a medida reduz em, pelo menos, seis meses o tempo de tramitação do processo.

Se a ajuda é significativa ou não, isso depende do estado. Para se ter uma ideia, o tempo médio de um processo no Tribunal de Justiça de São Paulo, segundo levantamentos não oficiais, é de cerca de 10 anos. No Rio, cai para cinco anos.

No evento de ontem, realizado no gabinete presidencial, no Palácio do Planalto, com a presença de poucos convidados, entre eles o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cezar Peluso, o chefe da pasta da Justiça e o autor do projeto, o deputado Paes Landim (PTB-PI), Peluso comemorou a sanção de lei que deve ajudar a diminuir a burocracia nos trâmites jurídicos. “As mudanças importantes e permanentes não acontecem de repente, mas com pequenos passos relevantes. Essa medida trará uma economia extraordinária”, afirmou. “Os servidores não precisarão mais ficar controlando as peças que deveriam compor a interpelação”, completou. O ministro da Justiça também comentou o avanço que a aprovação da medida significa. “Isso significa celeridade. A lei traz uma economia processual que pode passar de seis meses.”

A criação de mecanismo que simplifique os procedimentos jurídicos tem sido motivo de constantes discussões no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. A lei assinada por Lula faz parte de documento batizado de II Pacto de Reforma do Judiciário, assinado pelos chefes dos três poderes para garantir, inclusive, acesso mais amplo à Justiça. O Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça, Marivaldo Pereira, classificou a medida como fundamental para “a redução da morosidade e simplificação de procedimentos nos tribunais superiores”. “Ao mesmo tempo, permitirá a redução de custos e o melhor aproveitamento da estrutura de apoio dos tribunais, já que reduzirá significativamente o volume de processos em tramitação nessas cortes”, ponderou, ressaltando, que a aprovação da lei foi possível graças ao empenho dos três poderes e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Agilidade

Há alguns meses, o advogado Marcelo Turbay, que trabalha em um escritório na capital federal, cuidava de um caso em Goiânia. Quando precisou recorrer a uma instância superior, em Brasília, levou um mês e meio somente preparando a documentação necessária para que o caso fosse analisado na outra corte. Oito volumes processuais foram copiados e anexados à petição antes de serem enviados ao tribunal correspondente. “A morosidade é muito grande da maneira como esses trâmites são realizados atualmente”, lamenta.

Segundo Turbay, a lei também ajudará em uma preocupação muito grande do governo no Poder Judiciário: a questão dos espaços físicos nos tribunais. “Há uma tentativa muito forte no sentido de conseguir digitalizar os processos que tramitam na Justiça brasileira. O acúmulo de documentos é enorme. O Tribunal Regional Federal, por exemplo, tem um problema sério de pessoal e tempo para digitalizar toda a demanda acumulada”, explica o advogado.

Turbay explica ainda que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) é uma das instâncias que trabalha com quase todos os processos no formato digital. “Certa vez, entramos com um pedido de habeas corpus no STJ. No entanto, em vez de fazermos cópias integrais de uma ação penal que tinha cerca de 12 volumes, fizemos uma petição e adicionamos uma mídia digital com esses volumes. Foi impressionante a velocidade com que o processo tramitou. A documentação chegou conclusa para o ministro relator e ele conseguiu despachar mais rapidamente.”

As mudanças importantes e permanentes não acontecem de repente, mas com pequenos passos relevantes. Essa medida trará uma economia extraordinária”

Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)

Fonte: Correio Braziliense

Permitirá a redução de custos e o melhor aproveitamento da estrutura de apoio dos tribunais, já que reduzirá o volume de processos em tramitação”

Marivaldo Pereira, Secretário de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça

O que muda

· A redução dos trâmites torna a tramitação do recurso judicial chamado “agravo de instrumento” mais rápida e menos burocrática

· Para contestar uma decisão em uma instância superior, não é mais necessário mandar o agravo (recurso) junto com uma cópia do processo para análise pelo tribunal. Agora, só é preciso enviar à corte o agravo e o processo original

· O agravo pode ser protocolado até dez dias depois da decisão judicial

· A outra parte da ação é intimada a responder em, no máximo, dez dias. Depois, o processo é enviado ao tribunal correspondente

MEMÓRIA
Exemplo clássico

Um dos casos mais famosos a serem castigados pela burocracia do Poder Judiciário foi a de Maria da Penha Fernandes. Ela foi agredida durante seis anos pelo próprio marido, o professor universitário Marco Antônio Heredia Viveiros. Depois das constantes surras, aplicações de choques e tentativas de afogamento, o agressor atirou contra Maria da Penha, que ficou paraplégica.

Levado à Justiça, o marido da vítima foi julgado e condenado a 15 anos de prisão, mas a defesa recorreu da decisão e a luta de Maria da Penha para que o julgamento acontecesse rapidamente não funcionou. Viveiros só voltou ao tribunal quase duas décadas depois das denúncias, foi condenado, mas passou somente dois anos em regime fechado. Atualmente, ele está em liberdade. A demora nos trâmites do processo foi duramente criticada por especialistas em direito, que defenderam mudanças nos procedimentos jurídicos.

A peregrinação de Maria da Penha por longos 19 anos para que a justiça fosse feita ganhou repercussão nacional e, em agosto de 2006, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou uma lei que leva o nome dela e altera o Código Penal, prevendo penas mais severas para os agressores que, agora, podem ser presos em flagrantes ou terem a prisão preventiva decretada logo após serem denunciados. (IS)

Palavra de especialista

Na medida em que a complexidade da vida social aumenta, os litígios se tornam mais sofisticados e isso, claro, massifica a tipificação dos procedimentos. Esse aspecto tem uma importância superlativa na administração da Justiça. Esse projeto foi concebido dentro desse objetivo de dar maior eficácia à prestação de serviços e que tem como meta a realização da justiça por meio da aplicação do direito justo. Essa é a filosofia que tem levado o legislador brasileiro a tentar flexibilizar ou simplificar os procedimentos sem, obviamente, e isso é relevante observar, sacrificar direitos e garantias. O simples fato de agilizar o processo não pode ser feito a qualquer preço. Eu sou favorável a essas medidas quando elas conjugam os fatores agilidade e efetividade na realização da justiça. Todo esforço no sentido de agilizar os procedimentos, em ordem a dar efetiva na aplicação desse ideal maior da nossa profissão, que é a realização da justiça, é sempre bem vindo. Parece que o espírito do projeto foi esse. Nem todos estão preparados para a universalização do processo eletrônico porque é algo que demanda treinamento e equipamentos, mas esse é o preço que se paga pela mudança radical que está sendo feita no Brasil nos tribunais superiores. Isso aumenta a rapidez na solução do litígio e pode contribuir para a melhoria do Poder Judiciário.

Nabor Bulhões, advogado e professor de direito

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